domingo, 22 de março de 2009

MOBRAL


MOVIMENTO BRASILEIRO DE ALFABETIZAÇÃO


Autor: Arlindo Lopes Correa


O Movimento Brasileiro de Alfabetização - o MOBRAL surgiu como um prosseguimento das campanhas de alfabetização de adultos iniciadas com Lourenço Filho. Só que com um cunho ideológico totalmente diferenciado do que vinha sendo feito até então. Apesar dos textos oficiais negarem, sabemos que a primordial preocupação do MOBRAL era tão somente fazer com que os seus alunos aprendessem a ler e a escrever, sem uma preocupação maior com a formação do homem.

Foi criado pela Lei número 5.379, de 15 de dezembro de 1967, propondo a alfabetização funcional de jovens e adultos, visando "conduzir a pessoa humana (sic) a adquirir técnicas de leitura, escrita e cálculo como meio de integrá-la a sua comunidade, permitindo melhores condições de vida" Apesar da ênfase na pessoa, ressaltando-a, numa redundância, como humana (como se a pessoa pudesse não ser humana!), vemos que o objetivo do MOBRAL relaciona a ascensão escolar a uma condição melhor de vida, deixando à margem a análise das contradições sociais inerentes ao sistema capitalista. Ou seja, basta aprender a ler, escrever e contar e estará apto a melhorar de vida.

A estrutura do MOBRAL era uma árvore de siglas, propiciando o empreguismo característico das repartições públicas. A estrutura administrativa propunha-se a ser descentralizada e subdividida em quatro níveis: a secretaria executiva (SEXEC), as coordenações regionais (COREG), as Coordenações estaduais (COEST) e as comissões municipais (COMUN). A estrutura organizacional dividia-se em gerências pedagógicas (GEPED), mobilização comunitária (GEMOB), financeira (GERAF), atividades de apoio (GERAP) e em assessoria de organização e métodos (ASSOM) e assessoria de supervisão e planejamento (ASSUP). Essa estrutura foi alterada por três vezes entre os anos de 1970 e 1978, sempre criando mais cargos.


Em 1973, só no MOBRAL central estavam alocados 61 técnicos de formação acadêmica . Neste corpo constava inclusive cinco técnicos de formação militar "para uma salutar visão multidisciplinar do problema" (CORRÊA, 1979, p. 126).


O MOBRAL foi se modificando aos poucos e cada vez mais buscando novas saídas para garantir sua continuidade. Assim, depois do começo com a campanha de alfabetização de adultos, descobriu que a Lei de sua implantação referia-se a "educação continuada de adolescentes e adultos " e criou o Plano de Educação Continuada para Adolescentes e Adultos. E daí o Programa de Educação Integrada, o Programa Cultural e o Programa de Profissionalização. Vindo depois o Programa de Diversificação Comunitária, o Programa de Educação Comunitária para a Saúde e o Programa de Esporte. E na área da educação geral é lançado o Programa de Autodidatismo. O corpo técnico do MOBRAL fez de tudo para que a instituição permanecesse na sua dinâmica da coisa nenhuma. E fez tanto, que em 1975, teve que enfrentar uma Comissão Parlamentar de Inquérito - CPI, instaurada pelo Senado Federal, após discursos dos Senadores João Calmon, Luiz Viana, Jarbas Passarinho e Eurico Rezende, em função da denúncia de atendimento a crianças de nove a quatorze anos. Na época dizíamos que era o "MOBRALZINHO".

Finalidade de Educar


O MOBRAL assume a educação como investimento, qualificação de mão-de-obra para o desenvolvimento econômico. A atividade de pensar proposta é direcionada para motivar e preparar o indivíduo para o desenvolvimento, segundo o Modelo Brasileiro em vigor no período estudado de 1970 a 1975. Sendo assim, não pode visar a reflexão radical da realidade existencial do alfabetizando porque é por em perigo seus objetivos.

Método

O método do MOBRAL não parte do diálogo, pois concebe a educação como investimento, visando a formação de mão-de-obra com uma ação pedagógica pré-determinada. Isso faz impedir a horizontalidade elite e povo, colocando a discussão só nos melhores meios para atingir objetivos previamente estabelecidos pela equipe central. O momento pedagógico proposto é autoritário, porque ele (MOBRAL) acredita que sabe o que é melhor para o povo, trazendo com isso a descrença, a falta de fé na historicidade do povo na sua possibilidade de construir um mundo junto com a elite.

Técnicas de Preparação de Material de Alfabetização

Codificações, palavras geradoras, cartazes com as famílias fonêmicas, quadros ou fichas de descoberta e material complementar está presente na sua pedagogia, o que vem a ser o modelo de Paulo Freire.

Mas na pedagogia de Paulo Freire há uma equipe de profissionais e elementos da comunidade que se vai alfabetizar, para preparação do material, obedecendo os seguintes passos:


a. levantar o pensamento-linguagem a partir da realidade concreta;
b. elaborar codificações específicas para cada comunidade, a fim de perceber aquela realidade e,
c. dessa realidade destaca-se e escolhe as palavras geradoras.


Todo material trabalhado é síntese das visões de mundo educadores/educando.


No MOBRAL não se executa essa primeira etapa. As codificações elaboradas são para todo o Brasil, tanto quanto as palavras geradoras. Trata-se fundamentalmente de ensinar a ler, escrever, contar e não a busca da síntese das visões de realidade elite/povo. Aqui a visão de mundo apresentada é a da equipe central, uniforme para as várias regiões do país.

Síntese


A metodologia de alfabetização do MOBRAL não se diferenciava sobremaneira do método proposto por Paulo Freire. Parece mesmo que os planejadores do MOBRAL copiaram uma série de procedimentos do educador nordestino perseguido pelo sistema imposto. A diferença estava, e muito nítida, na visão do homem. Paulo Freire idealizou a palavra geradora como marco inicial de seu processo de alfabetização e o MOBRAL também.


Só que existia uma pequena, sutil e marcante diferença: no método de Paulo Freire, a palavra geradora era subtraída do universo vivencial do alfabetizando, enquanto no MOBRAL esta palavra era imposta pelos tecnocratas a partir de "um estudo preliminar das necessidades humanas básicas". Em Paulo Freire a educação é conscientização. É reflexão rigorosa e conjunta sobre a realidade em que se vive, de onde surgirá o projeto de ação. A palavra geradora de Paulo Freire era pesquisada com os alunos. Assim, para o camponês, as palavras geradoras poderiam ser enxada, terra, colheita, etc.; para o operário poderia ser tijolo, cimento, obra, etc.; para o mecânico poderia ser outras e assim por diante. Já no MOBRAL esta palavra era imposta a partir da definição dos tecnocratas de zona sul do Rio de Janeiro. Assim, podemos afirmar que o método de Paulo Freire foi "refuncionalizado como prática, não de liberdade, mas de integração ao 'Modelo Brasileiro' ao nível das três instâncias: infra-estrutura, sociedade política e sociedade civil" (FREITAG, 1986, p. 93).


Mas não foi só de Paulo Freire que o MOBRAL tirou inspiração para criar seus programas. Também do extinto programa do MEB, quando conveniou-se com o Projeto Minerva, desenvolvido pelo Serviço de Radiodifusão Educativa do Ministério da Educação e Cultura. Conveniou-se inclusive com o próprio MEB, que passou a se servir das cartilhas do MOBRAL, já que as suas (do MEB) eram subversivas, para continuar realizando seu trabalho de alfabetização.

Conclusão

A própria descrição dos fatos já falariam por si mesmo. Mas o que fica de marcante é que, aproveitando-se do já dito por Pierre Furter, "a alfabetização e a educação de massa tanto podem ser fatores de libertação como de dominação" (FURTER, 1975, p. 59). Metodologicamente as diferenças entre o método proposto por Paulo Freire e pelo MOBRAL não tem diferenças substanciais.


A diferença é marcada pelo referencial ideológico contido numa prática e noutra. Enquanto Paulo Freire propunha a "educação como prática da liberdade", o projeto pedagógico do MOBRAL propunha intrinsecamente o condicionamento do indivíduo ao status quo.

O projeto MOBRAL permite compreender bem esta fase ditatorial por que passou o país. A proposta de educação era toda baseada aos interesses políticos vigentes na época. Por ter de repassar o sentimento de bom comportamento para o povo e justificar os atos da ditadura, esta instituição estendeu seus braços a uma boa parte das populações carentes, através de seus diversos Programas.

Em 1978 o MOBRAL atendeu "quase 2 milhões de pessoas, atingindo um total de 2.251 municípios em todo o país" (CORRÊA, 1979, p. 459). Todo esse esforço provavelmente era para cumprir o verdadeiro objetivo de seu Presidente que desejava "uma organização já estruturada e com significativa experiência a serviço da política social do governo e voltada para a efetiva promoção do homem brasileiro" (CORRÊA, 1979, p. 471).

No ano de 1977 a sua receita foi de Cr$ 853.320.142,00 para atender a 342.877 mil pessoas, o que permite saber que o custo per capita foi de Cr$ 2.488,00. Os custos financeiros do MOBRAL eram muito altos. Para financiar esta superestrutura o MOBRAL recebia recursos da União, do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, 2% do Imposto de Renda e ainda um percentual da Loteria Esportiva.


O MOBRAL pode ser considerado como uma instituição criada para dar suporte ao sistema de governo vigente. Como Aparelho Ideológico de Estado, como nos ensina Althusser, o MOBRAL teve uma atuação perfeita. Esteve onde deveria estar para conter qualquer ato de rebeldia de uma população que, mesmo no tempo do milagre econômico, vivia na mais absoluta miséria.


Mas a recessão econômica a partir dos anos 80 veio inviabilizar o MOBRAL que sugava da nação altos recursos para se manter ativa. Seus Programas foram incorporados pela Fundação Educar.

Arlindo Lopes Correa,
Educação de massa e ação comunitária.
Rio de Janeiro: AGGS/MOBRAL. 1979. 472 p.

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