No livro A Vingança da Tecnologia, Edward Tenner, um bacharel em artes, descreve as irônicas conseqüências das inovações mecânicas, químicas, biológicas e médicas deste fim de século. Como não poderia faltar, a deusa informática teve lá seu espaço garantindo.
Irônico é o efeito da informatização em massa das escolas em nosso país, sem a devida discussão do projeto pedagógico que deveria acompanhar toda a tecnologia subjacente.
A IBM, por meio de sua coordenadora do projeto Novos Horizontes (financiamento de software e hardware nas escolas), em 1995, dizia que “não era mais hora de discutir qual seria o projeto pedagógico a acompanhar a entrada de laboratórios de informática nas escolas”. Segundo ela, “o momento seria de introduzir novas tecnologias, o restante se pensaria depois”.
A França, em 1980, massificou a tecnologia da informação nas escolas para depois descobrir que foi um completo fracasso. Guardados os devidos avanços tecnológicos, é o que vem acontecendo na maioria das escolas que implementaram a informática em seus currículos, mas esqueceram-se de discutir o principal objeto: o ensino “de” informática ou “por meio” da informática.
Basta observar o projeto de marketing escolar e verificar que o mais importante é mostrar alunos sendo fotografados em modernos laboratórios de informática. Em apenas meia hora de conversa, a única coisa que sabem explicar são as configurações dos computadores que equipam a sala de informática. Difícil mesmo é saber qual a metodologia usada pela escola para enfrentar o seu principal desafio: a tarefa de educar.
Onde está a ironia? Basta verificar a origem escolar dos lammers (pessoas que se acham hackers) que recentemente invadiram sites do governo federal. Estudando em colégios equipados com as últimas tecnologias de informação, mas utilizando seus conhecimentos para uma prática ilícita. Não seria esse o momento exato de questionar que mais louvável seria que a escola adotasse também disciplinas como filosofia e essa disseminasse a ética na informática?
Na Internet, os chamados “mercenários da Web” estão a cooptar nossos filhos “feras” em computação para participarem de “testes de fragilidade nos sistemas”, na verdade invasões cuidadosamente planejadas com fins ligados à espionagem industrial. Nossas filhas também são alvo das pseudo-agências virtuais de modelos que precisam de uma primeira foto para “análise” e uma mais ousada para completar o ciclo. O passo seguinte pode ser o envolvimento involuntário nas redes de pornografia e de pedofilia.
Essas são as crianças e adolescentes que as escolas sintonizadas com o que há de melhor da tecnologia da informação vêm formando? Meninos e meninas “feras” em computação, mas incapazes de se confrontarem com situações desse tipo.
Quando indagadas sobre o projeto pedagógico que acompanha o laboratório de informática, as escolas têm a resposta na ponta da língua: “Estamos formando para o mercado”. Raríssimas são as que educam para um mercado de trabalho cada vez mais competitivo e ao mesmo tempo para a formação de cidadãos éticos, solidários e socialmente responsáveis. Escolas como essas não existem? Existem sim e ministram além de aulas de línguas estrangeiras e informática, disciplinas fundamentais como filosofia.
É dessa escola que surgiu um grupo de adolescentes entre 13 e 17 anos dispostos a contribuir com seus conhecimentos no combate a certo tipo de crime na Internet: a pedofilia. Num verdadeiro trabalho de Inteligência, os garotos identificam e destroem páginas com conteúdo pedófilo na rede (ajudaram a Scotland Yard na última operação contra a pedofilia chamada Katedral). O primeiro grupo conhecido por searchers (pesquisadores) localiza as páginas e os provedores; o segundo grupo (watchers) estuda e mapeia as falhas do sistema que então as repassa aos chamados intruders (invasores), que se encarregam de destruir a página e, caso o provedor insista em permanecer hospedando o conteúdo, tiram até o provedor do ar, causando um prejuízo ainda maior. Muitos sentiram que por maior que seja o lucro com a indústria da pedofilia não compensa o prejuízo causado pelos jovens social hackers (hackers sociais) que, ao completarem 18 anos, já têm emprego garantido no grande mercado de segurança da informação. Portanto, amigo leitor que é também pai, mãe, educador(a) ou professor(a) e que compartilha desta minha angústia, se a única coisa que a escola de seu filho sabe fazer de melhor é o marketing do laboratório de informática, você não acha que está na hora de repensar sua estratégia de escolha para o próximo ano?
Luiz Henrique Corrêa Quemel
Educador e Analista de Informações.
Nenhum comentário:
Postar um comentário