terça-feira, 17 de março de 2009

EDUCAÇÃO PROFISSIONALIZANTE III

A primeira ação governamental voltada para a formação profissional, visando transformar em força de trabalho os artistas e aprendizes que vinham de Portugal atraídos pelas indústrias que estavam sendo abertas no Brasil, foi o “Colégio das Fábricas”, criado por um decreto de D. João VI em 1809. Em 1816, foi proposta a criação de uma Escola de Belas Artes, para poder se articular o ensino de ciências e de desenho para os ofícios mecânicos; e em 1819 foi criado o “Seminário dos Órfãos”, que passou a funcionar num antigo convento da Bahia. Ali se ensinavam as artes e ofícios mecânicos para os deserdados da sorte, os desamparados e os infelizes, sendo esse caráter assistencialista o estigma que marcou o ensino profissional desde o início (Fonseca,1961, p. 18).

À medida que a indústria nacional passou a empregar maior número de operários e a suprir uma faixa maior de mercado, os industriais e empresários passaram a revelar em suas ações uma concepção de sociedade, passando a constituir um determinante significativo da fase seguinte de industrialização. A escola profissional começa a ser vista pelo Estado e pelos capitalistas como produtora de força de trabalho, incorporando a relação dialética entre educação e trabalho, que é composta de uma eterna tensão entre duas dinâmicas: as exigências do capitalismo e a democracia sob todas as suas formas.

A partir de 1840, foram construídas dez casas destinadas à educação de artífices nas capitais das províncias, sendo a primeira delas em Belém do Pará, para órfãos, na tentativa de diminuir a “criminalidade e vagabundagem”. Em 1854, por decreto imperial foram criados asilos especiais para menores abandonados, chamados “Asilos da Infância dos Meninos Desvalidos”. Ali eles eram alfabetizados e, posteriormente, encaminhados para as oficinas públicas e particulares onde eram empregados mediante contratos fiscalizados pelo Juizado de Órfãos. Na segunda metade do século passado, foram criadas também várias sociedades civis destinadas a amparar crianças órfãs e abandonadas, para as quais era oferecida a instrução teórica e prática necessária. Nesse período, as instituições mais importantes voltadas para o ensino industrial foram os Liceus de Artes e Ofícios, no Rio de Janeiro (1858), Salvador (1872), Recife (1880), São Paulo (1882), Maceió (1884) e Ouro Preto
(1886) (Fonseca, 1961).

No final do século XIX, a camada pobre da população era a base da mão-de-obra industrial do país. Nesse período, a escola técnica brasileira começa a delinear seu perfil funcionalista, espelhada no modelo norte-americano, sendo reservada para preparar os filhos de trabalhadores e imigrantes. A estes se destinavam um dado conjunto de ocupações na hierarquia do trabalho, deixando a escola humanística e propedêutica para os filhos de profissionais de nível superior e empresários, preparados para outros postos mais elevados.

Em 1906, o ensino profissional passou a ser atribuição do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio e, em 1910, Nilo Peçanha instalou 19 escolas de aprendizes de artífices destinadas “aos pobres e humildes”, distribuídas nas várias Unidades da Federação. Eram escolas similares aos Liceus de Artes e Ofícios, voltadas basicamente para o ensino industrial, mas mantidas pelo próprio Estado. Na primeira década do século XX, foram instaladas várias escolas-oficinas para a formação de ferroviários. Na década de 20, a Câmara dos Deputados propôs a extensão do ensino profissional a todos, pobres e ricos, e não apenas aos “desafortunados”. Foi criada, então, uma comissão especial para estudar as reformas necessárias no ensino profissional, que ficou conhecida como “Serviço de Remodelagem do Ensino Profissional Técnico”. Essa comissão concluiu seus trabalhos na década de 30, época da criação dos Ministérios da Educação e Saúde Pública e do Trabalho, Indústria e Comércio.

Ainda nos anos 30, Anísio Teixeira e Joaquim Faria Goes Filho defendiam a necessidade de eqüivalência entre os cursos técnicos e o ensino de grau médio como forma de eliminar a natureza assistencialista do ensino profissional. Entre os argumentos apresentados, alegavam a deturpação da finalidade do ensino secundário, que não preparava para a vida, sendo utilizado apenas como meio de atingir as escolas superiores. O que Anísio Teixeira e Joaquim Faria Goes Filho pretendiam era acabar com o privilégio de apenas os economicamente mais fortes ingressarem nos cursos de nível superior e dar igual oportunidade para todos, nas escolas profissionais, e não apenas para os “desafortunados e órfãos”. Eles propunham, ainda, a predominância da formação geral sobre a formação técnica específica porque isso facilitaria a adaptação às diferentes demandas das indústrias para quem possuísse boa base de conhecimentos gerais (Fonseca, 1961, p. 660-661).

Com o início da crise econômica deflagrada em 1930, pela quebra da bolsa de Nova York, o governo atraiu para si a solução dos conflitos sociais e da estagnação econômica, reorganizando o ambiente em que operavam a indústria e o comércio durante a década de 1930 e a Segunda Guerra Mundial. Em 1945, após o término da guerra, a atuação do governo sobre a economia nacional se retraiu repentinamente. A escola, como fator essencial à acumulação do capital e à reprodução das relações de produção capitalistas dominantes, passava a ser valorizada pela sociedade como sendo o meio para se conseguir maior participação na vida econômica e política, pois o indivíduo instruído torna a sociedade mais “produtiva” aumentando, assim, as chances de participação no conjunto das classes sociais. Nessa perspectiva, a educação é apresentada como forma ideológica de liberdade e igualdade, sendo colocada em consonância com a industrialização.
Cristina Cimarelli Rubega
Décio Pacheco
Ciência & Educação, v. 6, n. 2, p. 151-166, 2000.

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