quinta-feira, 2 de abril de 2009

PROJETO LEGO

Autores: Fábio Freitasa e frederick Santos


INTRODUÇÃO

Em 1999, o governo do estado da Bahia iniciou um projeto piloto em uma escola, situada no município de Salvador, para promover a educação tecnológica utilizando um recurso pedagógico fornecido pela famosa empresa de brinquedos dinamarquesa Lego, através de sua divisão educacional (Lego Educational Division, na época Lego Dacta). O governo fez uma avaliação positiva dos resultados desse projeto piloto e estendeu essa experiência a outros 45 municípios, totalizando 315 escolas de ensino fundamental, no ano de 2001. Esse projeto, que ficou conhecido como projeto Lego, consistia tanto na compra dos conjuntos educacionais como na capacitação de professores e no desenvolvimento de uma metodologia de aplicação adequada às necessidades das escolas baianas. A partir do ano de 2003, diversas escolas que atendiam até a 4ª série do ensino fundamental foram desligadas da esfera estadual e passaram para a esfera municipal, num processo que continua até o momento. Com a finalização do projeto, as escolas deixaram de receber monitoria para utilização dos recursos, pois no projeto anterior os professores eram orientados a somente trabalharem com o recurso na presença de monitores do projeto Lego, o que ocasionou no abandono desse dentro das escolas. No ano de 2004, a Secretaria de Educação de Salvador solicitou a nossa parceria no desenvolvimento de um projeto de capacitação de professores para o uso desse recurso da Legoi, o que resultou na adaptação de uma metodologia para o ensino de ciências, a Mão-na-Massa, em um metodologia de alfabetização tecnológica, que chamamos de Mão-na- Massapê, no desenvolvimento de um recurso de auxílio para o professor em sala de aula e em um curso de formação de professores dentro dessa metodologia para cerca de 128 participantes de 64 escolas de Salvador.

ALFABETIZAÇÃO TECNOLÓGICA, METODOLOGIA E PRESSUPOSTOS

Com o desafio de promover um curso de formação de professores bem aceito por esses, entendemos que primeiro precisávamos determinar qual a melhor metodologia de aplicação deste recurso. O ponto natural de partida seria adotar a metodologia do projeto anterior, que supostamente teria sido desenvolvida de acordo com as especificidades das escolas publicas baianas. Na análise desta, detectamos diversos problemas, tanto de conteúdo como de metodologia e ainda de contexto em relação à realidade local de Salvador. Nos concentraremos aqui em relatar a visão adjacente ao projeto de alfabetização tecnológica e alguns problemas metodológicos, de modo a ilustrar o motivo pelo qual preferimos procurar outros caminhos.

Podemos começar pela própria visão de tecnologia do projeto Lego. No projeto, a tecnologia é apresentada como “(...) o saber fazer, é o processo criativo usado para resolver problemas, com o objetivo de melhorar a condição humana e satisfazer suas necessidades”. Não é fornecida uma distinção clara entre técnica e tecnologia ou o papel de aparatos tecnológicos dentro da tecnologia. No âmbito de como definem o que é educação tecnológica, escolhem um modelo tecnicista quando relacionam a educação tecnológica com o criar tecnologia ao afirmarem que “(...) os alunos são preparados para não serem apenas usuários de ferramentas tecnológicas, mas serem capazes de criar, solucionar problemas e usar os vários tipos de tecnologias de forma racional e significativa”. Quando apresentam a metodologia investigativa, associam essa forma ao método científico que definem, a partir de Lakatos e Marconi como um meio de se chegar à verdade, sendo esta a finalidade da ciência. O método em ciência então é racional e traça o caminho do cientista de modo sistemático na direção de conhecimentos válidos e verdadeiros. Baseados nesse modelo de tecnologia e de conhecimento, o projeto Lego desenvolve uma série de módulos para serem trabalhados em sala de aula, com um conteúdo interdisciplinar duvidoso e forçado e nem sempre é possível identificar temas de tecnologia nesses, além de serem muito fechados, permitindo pouco ou nenhum espaço para adequação a diversas turmas de diversas realidades, sendo o professor apenas o instrumento de levar esse material aos alunos. Outro problema foi o excesso de foco em detalhes operacionais, tais como evitar perda de peças, chegando mesmo a obrigar o professor a fazer a contagem de todas as peças contidas nas caixas no início e no final das atividades, o que teve como resultado a insatisfação dos professores na participação do projeto e o posterior abandono do mesmo.

Quando nos demos conta desses diversos problemas, decidimos que seria mais interessante partir para uma forma completamente distinta da já trabalhada. O nosso primeiro passo foi escolher uma definição para o que é tecnologia, já que na literatura são abundantes as definições.

Precisávamos quebrar também com a definição ingênua fornecida pelo projeto anterior, que ligava tecnologia com melhora da condição humana. Para nós, tecnologia é qualquer criação ou reelaboração de um objeto, idealizado de tal maneira que este possa vir a ampliar uma determinada ação. Por conseguinte, técnica passa a ser a habilidade de se utilizar uma tecnologia. Com essa definição, tiramos da idéia de tecnologia uma associação ao bem ou ao mal, e deixando o juízo de valor para quando ela puder ser inserida dentro de um contexto histórico social. Essa definição de tecnologia associada à artefatos tecnológicos é útil por ter uma roupagem mais natural, separando técnica de tecnologia, pois, em geral, nossos estudantes não enxergam ambos como uma única coisa. Assim surge uma abertura para que essa relação indissociável possa ser construída, passando a ser um problema e não mais algo que é quase natural nos currículos. Essa visão é ainda mais interessante quando partimos de uma perspectiva histórica para trabalharmos temas de tecnologia, vindo desde os povos primitivos com suas tecnologias essencialmente baseadas em ferramentas ou artefatos mecânicos. Como trabalhamos numa perspectiva histórica, podemos ainda dissociar a tecnologia da ciência, visto que essa relação começa a se fortalecer somente a partir do século XVIII, com a primeira Revolução Industrial, quando a tecnologia impulsionou muito a ciência e se consolida no século XIX, na segunda Revolução Industrial, quando pela primeira vez conhecimentos científicos são utilizados na construção de tecnologias.

Ao pensarmos em alfabetização tecnológica, temos que considerar um mundo no qual estamos plenamente inseridos em relações com tecnologias, não podendo, dentro da atual sociedade ocidental, nos libertar dessas relações, ainda que de forma indireta, em nenhum instante. O nosso objetivo é formar cidadãos que possam opinar sobre a tecnologia e seus usos e que consigam identificar onde ela está presente. Assim, tornamos àquelas “coisas” que usamos todo o dia em novos objetos a serem lidos pelos estudantes. Portanto, uma alfabetização tecnológica não precisa necessariamente estar relacionada com a criação e uso de novas tecnologias, mas também não deve excluir essa possibilidade visto que essa formação é voltada para o cidadão em geral, não somente para a formação do tecnólogo, mas para a formação desse último. Pensamos que, posteriormente, o futuro tecnólogo terá uma formação específica com fins de criação de tecnologia, o que será complementar à formação crítica que ele já carregará consigo.

Na procura da metodologia mais adequada, encontramos no projeto Mão-na-Massa um modelo que poderia ser adaptado com grandes potencialidades devido às suas características. O Mão-na-Massa trabalha a alfabetização científica desenvolvendo com os estudantes temas que lhes são familiares, porém propondo novas questões sobre esses temas. Como queremos mostrar que mesmo tecnologias elementares não existem naturalmente, mas são significadas como tal, esse se torna um caminho interessante para nossos objetivos. Seu modelo são atividades que nunca são fechadas, sempre disponíveis para serem adaptadas conforme a progressão e interesse da turma, de modo que os temas trabalhados sejam sempre significativos, tendo a contextualização como palavra chave. A forma com que esse projeto trás temas familiares e contextualizados é através de discussões retroalimentadas e experimentação. Em nossa adaptação direcionamos essa metodologia para trabalhar temas relacionados à tecnologia, levando em conta que seu aprendizado pode ser semelhante ao de ciências naturais, mas não é idêntico. Portanto, enquanto em ciências a experimentação está bem relacionada com “experimentos científicos”, em tecnologia essa experimentação pode se tornar análoga quando pensamos no estudo e na construção de aparatos tecnológicos. Por causa dessa mudança do eixo da experimentação para a construção e investigação de objetos e situações, preferimos nos referir ao projeto pelo nome de Mão-na-Massapê. E é nesse contexto que desenvolvemos a relação entre a metodologia e o recurso, visto que este é especialmente útil na construção de aparatos tecnológicos mecânicos.

Nessa metodologia de investigação, propomos um roteiro de atividades (que devido ao espaço não poderemos detalhar aqui) que partisse da ampliação do significado do termo tecnologia, o seu peso na teia social e a relação dos alunos com alguns dos produtos da técnica. Para tanto, não partimos do pressuposto de formar cientistas para que então se trabalhe educação tecnológica. Por isso, na capacitação iniciamos da noção presente numa narrativa histórica da técnica e da tecnologia de que a tecnologia pode existir separada da ciência ainda nos dias de hoje, assim como já ocorreu no passado. Hoje isto se mostra presente em muitas invenções e adaptações nos instrumentos de trabalho e nos brinquedos improvisados nas periferias das cidades. Por isso, o professor do ensino fundamental já deve introduzir alguns olhares e formas de discurso que conduzirão a um pensar mais objetivo sobre determinados fenômenos e objetos técnicos como forma de facilitar o processo de investigação. Acreditamos que isto possa ocorrer naturalmente através de várias frentes de mediação pelo professor. Uma delas seria o próprio discurso natural do professor durante debates, sobre temas relevantes para o ele e sua turma, em sala de aula na qual a criança da faixa etária deste ciclo sempre absorve e o internaliza como referencial para construir os seus próprios discursos. As causalidades e as digressões das idéias expostas, inerentes neste discurso em sala de aula, seja nas formas unívoca ou dialógica só encontram concorrência em seus lares, principalmente quando o professor se preocupa em como abordar novos conceitos e em direcionar perguntas instigantes para discutir em sala.

O CURSO DE CAPACITAÇÃO E ALGUMAS CONCLUSÕES

Entre os dias 20 de Agosto e 10 de Setembro de 2004, todas as sextas feiras foi realizado um curso de capacitação com os professores do ensino municipal, contemplando desde professores de educação infantil até a 4ª série. O objetivo era apresentar a metodologia de trabalho desenvolvida e o tema tecnologia, além de mostrar a relação destes com o recurso da Lego. No primeiro momento do curso, discutimos como funciona o ensino numa perspectiva construtivista, focando no papel do professor e de sua linguagem. O próximo ponto era apresentar a definição de tecnologia utilizada no projeto e o modo como esta se relaciona com o projeto. Partimos então para apresentar o recurso aos professores, aplicando com eles a metodologia, de forma adaptada, que será utilizada na sala de aula. Por último, concentramos as atividades no desenvolvimento de planos de aula e de projetos a serem desenvolvidos a longo prazo, de forma que eles se sintam a vontade para desenvolverem novas formas de aplicar o tema de tecnologia dentro dessa metodologia.

Os resultados de aplicação dessa metodologia ainda não estão disponíveis, pois o curso terminou dois dias antes do prazo de envio de trabalhos. Ainda assim, durante o curso foi possível identificar um grande interesse pelo tema de tecnologia, apesar da formação extremamente precária que os professores possuem sobre esse. Apesar de uma resistência inicial ao recurso, muito devido à formação no projeto anterior, no final a maioria das professoras mostraram-se muito dispostas a empregar o mesmo em sala de aula, se preocupando em seguir a metodologia proposta. Por enquanto, podemos concluir que tanto os professores quanto a academia enxergam que é essencial uma sólida formação em ciência e tecnologia, porém a iniciativa pública tem investido muito pouco nessa direção. Com investimentos em formação de professores essa lacuna poderá facilmente ser preenchida.

Fábio Henrique de Alencar Freitasa
Frederick Moreira Santos
Instituto de Física da Universidade Federal da Bahia

Um comentário:

  1. sou engenheiro de produção e concordo prenamente que o objetivo desse projeto é muito importante para a formação dos estudantes, por que hoje o que mais vêmos são pessoas chegando às universidades despreparadas é ainda sem perceber o importancia da tecnologia no mundo .

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