domingo, 15 de fevereiro de 2009

ALUNOS ESPECIAIS


A difícil tarefa de tratar igual quem é diferente


O Ministério determina a implantação de Salas de Recursos Multifuncionais em todas as unidades escolares. Em Salvador, segundo dados da Secretaria de Educação e Cultura (SMEC), das 365 escolas da rede, 100 possuem alunos com deficiência auditiva e 137 têm estudantes com dificuldades de locomoção. Totalizando os dados, 719 estudantes da rede municipal de ensino apresentam algum tipo de necessidade especial. A partir desta realidade, a SMEC planeja adaptar até o final de 2006, a estrutura física de 137 escolas para o acesso de Pessoas Portadoras de Necessidades Especiais, as chamadas PPNAE. Para tanto, serão construídas rampas, barras e banheiros adaptados com recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação do Governo Federal (FNDE)."As nossas maiores dificuldades estão na realidade do pequeno número de vagas na rede municipal de ensino para estas crianças especiais, e as poucas oportunidades nas escolinhas particulares de bairros. É preciso reformar o pensamento para reformar o ensino", explica terapeuta ocupacional do Instituto de Cegos da Bahia Sheila Araújo.Um dos maiores desafios do sistema educacional atualmente, a Educação Inclusiva tem seus pressupostos criados na década de 70, tendo fundamentado vários programas e projetos da educação. O combate ao preconceito contra aqueles que portam necessidades especiais ainda é a mais desafiante destas ações.Promover uma educação que se baseie na universalização do acesso à qualidade de aprendizado e ensino pautados na inclusão e não na exclusão a favor do outro, segundo especialistas, é algo que requer mudanças, superação de preconceitos, conscientização e tomadas de atitudes que transformem a pedagogia tradicional. Como cuidar, integrar, reconhecer e relacionar-se com crianças e pessoas com essas necessidades sempre foi um problema social e institucional no país. Para os educadores, uma observação elementar já é suficiente para entender as dificuldades de locomoção enfrentadas por paraplégicos, cegos e demais vítimas de limitações físicas nas cidades, e atentar para as variadas necessidades e limitações de aprendizagem que alunos e alunas evidenciam em sala, desde uma simples conta de somar a um sério isolamento dos demais colegas. Nesta busca, torna-se fundamental o desenvolvimento de um projeto educacional centrado na criança, na participação familiar e comunitária no ambiente educacional, e principalmente na organização escolar para o envolvimento de todos os estudantes e a formação de conexões que apóiem a inclusão. O artigo 58 da LDB destaca a oferta da educação especial já na educação infantil, área em que esse atendimento é ao mesmo tempo tão importante, quanto escasso no Brasil. Se antes essa tarefa era restrita à família ou pessoas próximas, bem como a instituições públicas (hospitais, escolas especiais, asilos, etc), agora se espera que as escolas fundamentais incluam estas crianças, reafirmando o dever do estado quanto a esta questão. O mesmo artigo 59 destaca um ponto central e relevante quanto ao sistema educacional: "formação de professores com especialização adequada em nível médio ou superior (...) bem como professores do ensino regular capacitados para a integração (...)". Quanto a estes últimos, a Lei reserva aos municípios o dever de realizar programas de capacitação para todos os professores em exercício. Tal tema é ainda pouco presente nos cursos de formação de docentes e outros profissionais, ainda que sob recomendações legais. "Ainda há muito que se fazer em nosso contexto quanto a isso. Na universidade tem a disciplina optativa, mas ainda não é uma interlocução multi ou interdisciplinar. Ou seja, não é algo fortalecido entre os professores", lamenta Gedalva Paz, da Coordenadoria de Ensino e Apoio Pedagógico (Cenap).Realidade e avanços – Caminhando para a melhora deste quadro no município, a SMEC tem realizado cursos de capacitação para professores nas diversas áreas de inclusão educacional, o que ainda se constitui em ações modestas tanto no âmbito da realização quanto da participação de docentes. Uma dessas iniciativas foi o III Seminário de Formação para Gestores e Educadores realizados na última semana na capital como fruto do Programa "Educação Inclusiva: Direito à Diversidade" da Secretaria de Educação Especial (SEESP) do Ministério da Educação (MEC) em parceria com a Smec. Na ocasião, coordenadores de Salvador e municípios vizinhos trocaram experiências e discutiram ações inclusivas. Questões como a importância da família no processo de inclusão foram bem pontuadas no evento. Para a terapeuta ocupacional do Instituto de Cegos da Bahia Sheila Araújo, "uma criança bem adaptada e integrada em sua família com certeza terá uma boa inclusão na escola, por mais grave e especial que seja a sua necessidade. Os pais são nosso braço direito sempre", disse.Exemplo de inclusão, a Escola Municipal Oswaldo Cruz, no Rio Vermelho, comprova quão especiais são esses jovens. "Em 1999, quando a escola foi municipalizada, tínhamos uma sala com deficientes auditivos e crianças ouvintes. Foi uma experiência muito significativa para todos, pois víamos a interação entre eles. As crianças ouvintes ajudavam muito nas atividades, dando suporte às professoras e aos colegas", conta a professora Ana Carla Pereira de Souza, vice-diretora da escola. Hoje, a Oswaldo Cruz é conhecida pelo trabalho que desenvolve, sendo bastante procurada por pais que não encontram oportunidades para seus filhos especiais em outras escolas. "Temos o caso de um aluno que foi rejeitado em cinco escolas particulares até chegar a aqui. A mãe já não sabia como lidar com o filho. Hoje, a escola tem 12 alunos especiais, entre deficientes físicos, mentais, auditivos, alunos hiperativos, com Transtorno de Déficit de Atenção (TDAH), todos incluídos em salas regulares da pré-escola até a 4ª série. "Ousadia é o que temos, pois buscamos a parceria em todos os aspectos para trabalhar. O respaldo é muito pequeno e contamos muito com o apoio das famílias e de parceiros como a da Associação de Pais e Amigos do Deficiente Auditivo (Apada). Muitas crianças moram longe, daí as mães acabam ficando aqui com elas e auxiliam nos trabalhos também. Demos um passo à frente de muitas outras escolas, mas ainda não somos uma escola especializada. As famílias não têm o preparo ideal, a comunidade escolar e externa também não estão bem preparadas. É um trabalho desafiador, mas que estamos conseguindo realizar", conta Ana Carla. Realidade ainda distante do que é proposto pela lei"Modalidade de educação escolar, oferecida, preferencialmente, na rede regular de ensino, para pessoas com necessidades educacionais especiais". Assim se define a Educação Especial, tratada no Capítulo V da Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional, a LDB. Esta modalidade perpassa desta forma, todos os níveis de ensino, desde a Educação Infantil até o Ensino Superior. Para uma área tão pouco contemplada e discriminada historicamente, revestida do caráter da concessão e do assistencialismo no conjunto das políticas públicas brasileiras, o referido capítulo reafirma: todos os cidadãos com necessidades especiais (aqueles com dificuldades na aprendizagem ou dificuldades de comunicação diferenciada dos demais alunos), condutas típicas (manifestações de portadores de síndromes - exceto Síndrome de Down - e quadros psicológicos, neurológicos ou psiquiátricos que atrasem o desenvolvimento e prejudiquem o relacionamento social) e altas habilidades/superdotação (notável desempenho e elevada potencialidade em diversos aspectos ligados à intelectualidade, isolados ou combinados) têm direito à educação gratuita, pública e de qualidade. É nesse contexto que se formulam as diretrizes da chamada a Educação Inclusiva. Esta que, como o próprio nome já conceitua, é orientada pela concepção de que a escola comum deve se constituir em um espaço de ação e transformação, tendo ela relevante papel no processo de integração e de respeito à diversidade, por meio da inclusão em salas regulares de ensino desses alunos especiais. "A Educação Inclusiva tem como fundamento trazer todos para a escola e incluí-los. Ela é diferente da Educação especial, pois está para todas as pessoas com suas particularidades, seja com alguma deficiência física, seja gordinho, seja cego, negro, ou seja, ela tem uma abrangência muito maior do que como costumávamos trabalhar na Especial", diz Gedalva Paz da Coordenadoria de Ensino e Apoio Pedagógico (Cenap) da Secretaria Municipal de Educação (SMEC).


Folha Dirigida - Brasil - 9/6/2006 -

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